Resumo, resenha e análise de O Banquete de Platão

Andrew Woolfe
22 min readJan 4, 2021

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O Banquete de Platão disserta sobre o Amor (Eros), nada mais justo do que falar sobre este por um momento, então me atenho nesses primeiros parágrafos a tratar de alguns de seus mitos de origem, pois ao longo dos discursos Sócrates rememora sua conversa com Diotima na qual ela relata uma das concepções que deram origem a Eros, dando a ele uma roupagem diferente das que são culturalmente perpassadas.

Eros é o deus que representa o erotismo e o amor na mitologia greco-romana, sempre representado pela figura de uma criança, era dado com uma personalidade travessa que disparava suas flechas muitas vezes a procura de intrigas, em alguns mitos é dado como fruto da união entre Afrodite (deusa da beleza) e Ares (deus da guerra). É descrito como um “Erotes”, um dos quatro filhos alados de Afrodite, o qual cada um representaria uma face do amor, sendo Eros a representação do “amor inconseqüente”. Na maior parte do tempo estava na companhia da sua mãe, que muitas vezes pedia para que o mesmo utilizasse suas flechas em determinadas pessoas, assim como é mostrado no mito em que a mesma pede para que ele dispare sua flecha em direção a uma moça chamada Psiquê, para que a mesma se apaixonasse por um monstro, simplesmente por sentir inveja da beleza da jovem, porém por um acidente Eros atinge a si mesmo e se apaixona perdidamente pela moça, casam-se, e desse matrimonio nasce Hedonê (volúpia) deusa do prazer.

Em outros mitos Eros é filho do Caos, um deus primordial na mitologia grega, umas das primeiras formas de consciência, seus filhos nasceram de fragmentos de sua existência, cisões de um grande todo, pois não é bem definido a sua forma de, sabe-se apenas que ele é um ser amplo, o qual ocupa espaço no vazio. Há outras histórias as quais falam que Eros e o Caos são irmãos, uma dualidade ambígua na formação das mais inúmeras formas, sem Eros responsável pela unificação de átomos, assim criando novos seres a partir do que o circunda, e o Caos seria por conseguinte criador de vida através da cisão de elementos, essas duas divindades se complementariam e manteriam um equilíbrio no mundo.

Para Platão Eros não seria apenas a representação do amor carnal, mas sim de algo que lembraria o individuo da beleza da verdade, um pensamento altruísta que auxiliaria na memória da humanidade, por conseqüência ele não seria algo divino nem humano, mas sim algo que coexistisse entre as duas polaridades do que é ser imortal e mortal, dando mais valor a conquista daquele que ama em relação ao amado, de um objeto eterno, sendo assim, a beleza física, aparência, que seria um aspecto do que é culturalmente cultivado como Eros, para Platão não seria o suficiente, pois é uma característica efêmera da existência. Na psicanálise freudiana, Eros seria a representação da libido, a qual não é uma instancia sexual e carnal, a qual procura pela satisfação dos desejos sexuais através da estimulação dos órgãos genitais, por outro lado, é a energia vital da vida, se opondo a idéia de Tanathos, o aniquilamento de si mesmo, influenciado pelas pulsões de mortes (porém em alguns estudos essas seriam reveladas como as próprias pulsões de vida, portanto, Eros e Tanathos podem estar dentro da mesma instancia, influenciando as mesmas conseqüências de atos formulados pelas escolhas individuais).

Considero importante destacar um dos processos culturais que era visto como comum na Grécia Antiga, desde que alguns limites fossem respeitados e repassados para as futuras gerações, pois em O Banquete é comum ver através dos diálogos o amor pelos mais jovens, sendo eles do sexo masculino, com isso farei uma breve fala sobre a pederastia e a Erótica.

Os gregos se inclinavam em direção ao belo, com isso não existe uma distinção entre o prazer heterossexual e homossexual, pois os dois eram uma forma de atingir o gozo através das relações, a preocupação era em relação a aphrodisia, que é o cuidado em não se tornar escravo de seus próprios prazeres, ter temperança diante das relações e das possibilidades que elas podem vir a dispor, e assim ter Chrésis, a maneira como o cidadão irá transpor sua conduta através desses impulsos de desejo, saber ponderar a necessidade, o momento oportuno e o status que virá de tais atos. A obtenção de prazer com uma mulher ou escravos era baseada em posse, poder sobre o objeto que é usualmente passivo e submisso ao homem, porém quando o prazer e amor é dado entre homens é visto de formas diferentes em diferentes contextos. Por exemplo, dois homens adultos tinham sua relação mal vista, pois a passividade do homem adulto era um sinal de que nem o homem controlava seus prazeres, assim, como esse cidadão que não controla seus impulsos terá em momento algum poder para governar?

Ademais, podemos observar o amor entre os mais jovens com os mais velhos como um jogo de ensinamento visto com bons olhos dentro da sociedade, pois preparava os jovens a serem grandes companheiros e homens no futuro. Com isso temos dois papéis distintos, o do Erasta, homem mais velho, que corteja e anseia dominar o mais novo, o Erômano, o qual estará na posição de ser o amado, cortejado pelo mais velho, porém esse não pode ceder aos encantos dispostos pelo Erasta com tamanha facilidade, mas não deve esnobar os esforços do outro consigo. Essa relação se instala como uma formação pedagógica, enquanto foca por si na aprendizagem do mais novo pode-se dizer que tal relação tem um limite, isso na maior parte das vezes. Deve-se ater onde será honroso e vergonhoso manter o vinculo emocional, pois deve haver uma ética, impondo uma hermenêutica onde um não se submeta. Essa temática está centrada na concepção de homens ativos, os quais terão controle da cidade para governar e de seus prazeres. Entretanto, quando o jovem começasse a dar amostras de sua virilidade como as “primeiras barbas” (primeiros pelos na face lisa do rosto) a relação entre Erasta e Erônemo deveria ser fissionada para que um novo ciclo fosse iniciado.

Os estóicos serão criticados por guardarem por muito tempo os seus amados — até os vinte e oito anos — mas o argumento que eles darão, e que prolonga de certa forma o argumento de Pausânias no Banquete (ele sustentava que, para ligar-se apenas a jovens de valor, a lei devia interditar as relações com rapazes muito novos), mostra que esse limite era menos uma regra universal do que um tema de debate permitindo soluções bem diversas. (FRANÇA; FOUCAULT, 1984. p. 246).

Contextualizando o cenário e a motivação de tal banquete:

O banquete inicia-se com a jornada de Apolodoro e seu companheiro (o qual não tem seu nome mencionado durante a obra) em direção a cidade, quando são interpelados por Glauco, que tinha interesse em saber o que se passara no Banquete promovido por Agatão. Aristodemo, um dos convidados, contara a Apolodoro o que acontecera, e esse, por conseguinte, contou a seu Companheiro e a Glauco. A história mencionada no livro possui um local físico (casa de Agatão) e é proferida por terceiros até chegar a Platão, com isso acredita-se que algumas passagens tenham sido inventadas pelo autor, distorcidas, ou ao menos polidas no decorrer de sua transcrição, pois curiosamente, diferente de outras obras onde temos Sócrates (mestre de Platão, o qual deixo por escritos os pensamentos do seu professor), O Banquete é assinado pelo nome de Platão.

O relato se inicia pela idéia de uma comemoração após a vitória de Agatão (o anfitrião da festividade) em um concurso de tragédias, porém tal encontro acontece um dia após esse anuncio e cerimônias da glória conquistada, nesse encontro foi proposto fazer-se um elogio ao Eros, cada um dos sete convidados propagou sua idéia acerca de tal deus, ou signo, ora criticando a idéia anteriormente enunciada, ora complementando o discurso feito por outro. O banquete parece estruturar-se numa disputa intelectual, pois na noite passada o premio era respectivamente sobre peças trágicas, com isso, nesse encontro tinha-se um novo premio em jogo (sendo ele subjetivamente), de quem seria o melhor orador da noite. No inicio da solenidade Pausânias (convidado) reforça a necessidade de se ter temperança em relação a ingestão de bebida, referenciando a noite passada, a qual também foi de comemoração.

O Banquete tem como anfitrião Agatão, e seus convidados são: Aristodemo (discípulo de Sócrates), Fedro (literato), Erixímaco (médico), Alcibíades (político ateniense), Aristófanes (poeta), Pausânias (amante de Agatão) e por ultimo temos Sócrates, o qual chegou atrasado na reunião.

Em O Banquete discorrem sobre a maneira mais honrosa de se amar, assim como o que é o Amor para cada um deles.

Em todo caso, tal como se encontra no Banquete ou no Fedro, e graças às referências que faz às outras maneiras de discorrer sobre o amor, pode-se ver qual a distância que a separa da erótica corrente, que se interroga sobre a boa conduta recíproca do jovem e de seu pretendente, e sobre a maneira pela qual ela pode se conciliar com a honra. Pode-se ver também como, mesmo ao se enraizar profundamente nos temas habituais da ética dos prazeres, ela abre questões cuja importância será, a partir daí, muito grande para a transformação dessa ética numa moral da renúncia, e para a constituição de uma hermenêutica do desejo. (FRANÇA; FOUCAULT, 1984. p. 282).

O inicio dos elogios:

O primeiro a ter a palavra, discursa inicialmente sobre como o Amor é um dos deuses mais antigos, citando Hesíodo, o qual fala que o primeiro dentre todos os deuses foi o Caos, e logo em seguida vieram a Terra e o Amor. Fala sobre esse ser um dos maiores bens do homem, pois sem ele não haveria virtudes a serem desenvolvidas e conquistadas pela humanidade, como o desenvolvimento de obras de artes, ou até mesmo a instituição do bem e do belo pelo Estado e seu povo. Ainda fala como aquele que ama e defende o amado tem como virtude a honra, pois afasta de si a feiúra da covardia, com isso a renuncia da vida em decorrência daquele que inspira amor é sinal de aquisição de virtude, pois amar é mais virtuoso que ser amado.

Pausânias inicia seu discurso censurando Fedro, por achar insuficiente a sua determinação acerca do que é o Amor. Fala que sem o Amor não haveria Afrodite, e tendo duas dela haveria de ter dois dele também. Uma das Afrodites não teria mãe, seria a mais velha e filha de Urano, chamada então como Urânia, a outra face dessa mesma deusa seria mais jovem, filha de Zeus e Dione, chamada de Pandêmia, logo, haveria o Amor Pandêmico, sendo este o popular e o Amor Urânio, o celestial. Por um momento reforça que todos os deuses devem ser louvados, após essa fala acrescenta a necessidade de louvar o amor belo e digno, pois nem todos são assim, deve-se amar belamente. O Amor Pandêmico atem-se ao corpo e não a alma, esse pode ser um sentimento/impulso voltado para com as mulheres, já o Amor Urânio é voltado apenas para com os moços, pois volta-se ao que é mais forte e inteligente. Comenta sobre a temperança com os atos, fala de uma lei para que não houvesse desperdício de esforço com o envolvimento em amar moços prestes a terem suas “primeiras barbas” e mulheres de condição livre.

No Banquete de Platão, Pausânias, ao evocar a diversidade dos hábitos e dos costumes a propósito dos rapazes, indica o que é julgado “vergonhoso” ou “belo” em Elide, em Esparta, em Tebas, em Iônia ou entre os Bárbaros, e finalmente em Atenas. E Fedro lembra o princípio que deve ser tomado como guia na questão do amor dos jovens assim como na vida em geral: “Às coisas vis vincula-se a desonra; às belas, por outro lado, o desejo de estima: a ausência de ambas interdita a toda cidade assim como a todo particular o exercício de uma grande e bela atividade”.É preciso observar, porém, que essa questão não era simplesmente uma questão de alguns moralistas exigentes. A conduta de um jovem, sua honra e sua desonra eram também objeto de toda uma curiosidade social; prestava-se atenção, falava-se e lembrava-se: para atacar Timarco, Esquines não terá escrúpulos em reativar as fofocas que correram muitos anos antes, quando seu adversário era ainda muito jovem. Além disso o Eróticos mostra, de passagem, como um rapaz era objeto, de modo bastante natural, de uma solicitude desconfiada da parte de seu meio; ele é observado, espreitado, comenta-se sua postura e suas relações; à sua volta as máslínguas são ativas; os espíritos maldosos estão prontos a reprová-lo se ele se mostra arrogante ou espevitado; contudo se apressarão em criticá-lo se ele manifestar demasiada facilidade. (FRANÇA; FOUCAULT, 1984. p. 252).

Erixímaco da continuidade a fala de Pausânias, pois mesmo ao gostar da fala do companheiro, considerou necessário um remate, ponderou que a distinção/dualidade entre os dois Amor é belo, porém ao contrário de Pausânias ele acredita que esse amor vá além dos humanos e se encontra por sua vez em todas as formas e objetos, animais e plantas. Por ser médico, nada mais digno seria do que seu discurso focar em sua área, fala que os corpos contemplam esse duplo-amor, sendo sadio e mórbido. Sendo a medicina a ciência dos fenômenos do amor, cabe a esse profissional preservar no corpo o amor que saúda o considerado belo e eliminar o dito feio, para colher por fim o prazer sem que intemperança alguma se sobressalte, se não se aquiescer ao Amor moderado de honra e respeito, inclinado à injustiças o individuo ficará.

Quando o médico Erixímaco toma a palavra no Banquete, reivindica para sua arte a capacidade de dar conselhos sobre a maneira pela qual é necessário fazer uso dos prazeres da mesa e da cama; segundo ele, são os médicos que devem dizer como ter prazer com a boa mesa sem ficar doente; são eles também que devem prescrever para aqueles que praticam o amor físico — “o Pandêmico” — como obter o gozo sem que isso resulte num desregramento. (FRANÇA; FOUCAULT, 1984. p. 63).

Aristófanes começa seu elogio voltando-se ao fato de que se o homem soubesse a verdadeira grandeza do Amor, como é dele honrável e de se respeitar, haveriam maiores sacrifícios dos que se tem por conhecido, não haveria solenidades como aquelas a serem feitas em seu nome por não o contemplar de forma virtuosa o suficiente, pois por esse ser o deus mais amigo do homem, sendo seu protetor e medico de males com o amor seria ele o maior dentre todos os outros. Coloca na roda a questão que antes do mundo ser da forma como todos lá conheciam havia diferenças enormes, pois antes dos homens andarem eretos sobre duas pernas eles andavam sobre quatro, e cada par voltase para um lado, assim era com os braços, invés de terem apenas dois tinham em seus corpos quatro, e quando disparavam em uma corrida faziam a forma de uma roda e disparavam. Entretanto, essa história fora contada com intuito de contar a todos ali presentes que antes de haver apenas dois sexos, sendo eles o feminino e o masculino, havia um terceiro, o andrógeno que em dado momento no qual proferia as suas palavras tal sexo havia caído em desonra. O masculino de inicio era descendente do sol, o feminino da terra e o andrógeno da lua, pois tinha de ambos os sexos suas genitais, por serem presunçosos e poderosos se voltaram contra os deuses, escalando a terra em direção a Olimpo, os deuses não queriam eliminar-los, pois os templos e todas as homenagens feitas em relação a eles desapareceriam, com isso Zeus acho a melhor opção, corta-lhes ao meio, fazendo os seres andarem sobre duas pernas, com isso os seres andrógenos foram eliminados, mas ainda havia humanidade. Nessa tragédia instaurada pos Zeus, os humanos procuravam pela metade que os complementasse a vida inteira, os seres que eram andrógenos e partidos em dois podem ser achados na sociedade grega, pois são considerados os indivíduos adúlteros, os seres antes que eram apenas femininos, não carregavam os dois sexos, nos seres de duas pernas procuram a companhia de outras mulheres, assim como é o caso dos homens que se originaram dos seres de duas pernas que carregavam unicamente a genitália masculina. Quando encontrada a metade, o impacto desse encontro providenciaria tamanho companheirismo e emoção, deixando de lado apenas o prazer carnal, pois cada um dos dois saberia o que vinha a mente do outro como necessidade, voltando a primitiva natureza, antes da injustiça maior os separa-los, pois isso é o amor.

Podemos pensar que o discurso de Aristófanes no Banquete é uma exceção: ao falar sobre a divisão dos seres primitivos pela cólera dos deuses e sua separação em duas metades (macho e fêmea, ou ambas do mesmo sexo, conforme o indivíduo fosse, na sua origem, andrógino ou inteiramente masculino ou feminino), ele parece ir além dos problemas da arte de cortejar. Coloca a questão do que é o amor em seu princípio: e pode passar por uma abordagem divertida — ironicamente colocada na boca de Aristófanes, o velho adversário de Sócrates — das próprias teses de Platão. Não é que nela os enamorados buscam sua metade perdida, como as almas de Platão mantêm a lembrança e a nostalgia daquilo que foi sua pátria? (FRANÇA; FOUCAULT, 1984. p. 284).

Agatão, dramaturgo e ardiloso com as palavras, perspicaz em sua analise inicia-a destacando como os discursos anteriormente proferidos não eram uma homenagem ao deus Eros, mas sim uma felicitação aos homens e seus bens os quais os deuses os regaliam. Fala ser necessário louvar o Amor em sua natureza inicialmente, após feito isso, louvar seus efeitos. Para ele, o Amor é o mais feliz dos deuses, por ser o mais belo e jovem como comentara Fedro. É um deus que se encontra na alma de todos os seres, mas caso sinta uma oscilação rude, esse se afasta de tal energia, e para entrar e sair de dentro dos seres teria em si uma constituição úmida, pois se seco o fosse não seria maleável e não passaria despercebido por aqueles que o tem em sua presença. Não sofre e nem ao menos comete injustiça, seja com outros deuses e humanos, esta é sua virtude, nele não há violência, apenas o que é justo, e por controlar os prazeres e desejos é dado como um ser extremamente temperante, sábio e poeta, pois só há arte onde há amor. Após o discurso, Sócrates da seguimento a discussão com perguntas destinadas a Agatão acerca do amor e as afirmações anteriormente demonstradas, assim chegam a conclusão que os homens mantém aquilo o qual é semelhante a eles, com isso, o amor conquistado seria ansiado a ser mantido no decorrer do tempo, para que no futuro amor não faltasse. Ainda penduraram sobre a questão do amor e a beleza, se a carência de amor é explicada pelo desejo do que é belo, então a ausência de amor resultaria em feiúra, Agatão desiste de tentar entender as perguntas genuínas de Sócrates e opta por concordar com esse para dar por encerrado as questões levantadas e as quais ele não podia dar justificativas sustentáveis.

Sócrates conta a história proferida por uma mulher de Mantineia chamada Diotima a qual instruía Sócrates nas questões acerca do amor, a qual o auxiliava no entendimento através de perguntas como esse fizera com Agatão anteriormente. Dissera ela que o amor ficava entre o bom (belo) e o mau (feio), nunca em um único extremo. Para ela o Amor não seria nem deus nem mortal, mas um mediador, o qual levaria as questões mundanas aos deuses e vice-versa, passando os sacrifícios, suplicas, recompensas, ordens de determinados componentes, pois homens e deuses não se misturam, mas é através do Amor que tal contato é firmado.

O nascimento de Eros (Amor) teria se dado através da concepção ocorrida entre Pobreza e Recurso, filho de Prudência, o qual bêbado do néctar dos deuses adormeceu no jardim de Zeus após festividades em comemoração ao nascimento de Afrodite. Explica-se portanto porque Eros é amante e admirador da beleza, porém, ao contrário do que é falado, Eros é pobre, longe de ser delicado e belo, vive na natureza, descalço, convive com precisão, é insidioso com o que é belo e bom, ávido de sabedoria, um artista por natureza, a qual não é mortal nem imortal. No mesmo dia vive e germina, morre e ressuscita num ciclo constante, sempre num meio termo, pois o que conquista o perde, nunca rico, nunca pobre, assim é a sua sabedoria, intermediaria entre a inteligência e a ignorância. Diotima fala que os felizes são felizes pela aquisição do bom, mas não é comum a todos, pois alguns amam, outros não. A união conjugal no ato de gerar uma nova entre um homem e uma mulher é uma das mais belas formas de amor, pois o que é mortal, sendo o casal, gera algo que será imortal, pois assim é a concepção e geração de algo.

Ouve-se a voz alta embriagada de Alcibíades no pátio, clamava por Agatão, encaminhado para o circulo da reunião se sentia receoso se bem seria se manter ali, todos ansiaram por sua presença, assim instalou-se. Assusta-se com a presença de Sócrates e fica claro que entre eles há uma desavença, Alcibíades fala que nada fará no momento, que sua vingança viria outra hora. Nota a sobriedade do grupo e os convence de tornar a beber, assim o fazem, Erixímaco fala a ele sobre os elogios destinados ao Amor e exige que Alcibíades faça um também, porém este hesita momentaneamente, pois falara não ser justo com ele discursar diante de homens que ainda preservavam a razão em detrimento da sobriedade. Decide invés de proferir um elogio a Eros e discorrer sobre o amor como o restante dos lá presente fazer um a Sócrates, no decorrer de sua fala se apresenta a proposta de uma troca feita por Acibíades a Sócrates, o qual nega, pois a enquanto um tinha um corpo belo e o outro uma alma bela não fazia sentido tal conversão, pois uma alma bela é mais valiosa, pois pode-se definir que ela é eterna, ao contrário de um corpo, o qual sofre mudanças pela imprevisibilidade do tempo e por ser efêmero. Alcibíades ficara ofendido com essas palavras e tenta afastar Agatão de Sócrates no final do seu pronunciamento, mas em nada dá essa tentativa.

Com este último pronunciamento, podia-se constatar que todos presentes haviam discursado, alguns dormiram, outros continuaram a conversar, outro se retiraram, entre momentos de sonolência e maus despertares notava-se a passagem de vinho de um para com os outros, até amanhecer e Sócrates acomodar Agatão em seu leito e partir, Aristodemo o acompanhou até o Liceu, onde Sócrates se fez presente até o final do dia, para então partir em direção a sua casa e repousar.

O discurso mais impactante ao longo da leitura foi o de Aristófanes, onde ele começa com a sua história sobre a cisão de um individuo, que outrora fora uno e tinha em si quatro braços e pernas, porém eles ansiavam por poder, e a sua escalada a Olimpo instigou a cólera divina, a qual separou em dois o ser que antes era um, com a expectativa de que esses seres agora fissionados lhe trouxessem maiores louvores, pois o número de pessoas havia duplicado nesse ato, que em um primeiro olhar parece ser embasado num instinto de auto preservação dos próprios deuses que se viram ameaçados pela vontade de potencia humanóide, mas para que esses mesmo seres não apresentassem mais perigos foi-se determinado que cada metade iria procurar a sua até se encontrar, para assim se sentir completo, com isso um teatro dramático a nível Shakespeareano é armado, onde o sofrimento só tem fim quando a tragédia final é anunciada.

Vale mencionar que a descrição dos seres primordiais lembra muito ao “Homem Vitruavino”, obra de Leonardo da Vinci que conduziu ao surgimento do movimento Renascentista na Idade Média, pois esse foi feito sobre aspectos semelhantes daqueles descritos por Aristófanes em seu discurso. Nesse desenho é colocado um homem no centro de um quadrado, tendo um par de braços e pernas esticados em direção as bordas do quadrado, essas bordas se encontram tangentes a um circulo, onde o umbigo é o centro dele, essa obra de arte foi feita a partir de formulas matemáticas, utilizando a anatomia humana, ou seja, a existência do homem como resposta das mais diversas dúvidas, nessa obra as proporções são ditas divinas. Podemos supor então que para atingir a completude e a resposta das nossas perguntas, das mais banais as mais profundas, seria necessário sermos novamente um único ser com a nossa cara metade? Possivelmente sim, possivelmente não, as relações tornaram-se complexas com o desenvolvimento da humanidade com o passar do tempo, onde as suas diferentes alterações sociais, econômicas e políticas foram de extrema influência para o comportamento humano, o qual aprendeu a valorizar a solitude diante de manifestações constantemente superficiais e tóxicas de interação e demonstração de interesse. Deve-se, portanto, analisar o recorte individual de cada um, porém é intuitivo da espécie humana que a mesma é social, e para desempenhar ações dentro do campo comunitário são necessárias trocas afetivas, que muitas vezes podem se transformar em laços além dos meramente profissionais, mas mesmo assim as respostas para abordagens enunciadas não são de definitivo reguláveis ao convívio, onde separações abruptas são estabelecidas pela falta de conectividade de ambos os integrantes de uma relação. O livro o Retrato de Dorian Gray já antecipava essa ressonância intensa nas relações no final do século XIX,

[…] To note the curiós hard logic of passion, and the emotional colored life of the intellect — to observe where they met, and where they separated, at what point they were in unison, and what pont they were at dicord — there was a delight in that! What matter what the cost was? One could never pay tôo high a price for any sensation. […]

A poetisa Hilda Hilst exprime com tamanha eficiência essa relação de ambivalência e dualidade entre amar e querer ser amado mesmo que sem citar tal subjetividade intrínseca a condição humana no poema “X” de Presságio, primeira coletânea de poemas dela.

Olhamos eternamente/ para as estrelas/ como mendigos/ que eternamente/ olham para as mãos. // E imaginamos/ cousas absurdas/ de realização./ Cousas que não existem/ e cujo valor/ é o de consistirem/ parte da ilusão.// E olhamos eternamente/ para as estrelas/ porque parecem diferentes./ E quando agrupadas/ eu as revejo individualizadas./ Estrelas… só.// Quem sabe se naquela imensidão/ elas sofrem o mal dissolvente,/ passivo,/ mas dissolvente ainda: solidão.// Brilham para o mundo./ No entanto estão sozinhas/ na lúgubre fantasia de pontas.// Nunca, meditem,/ nunca as encontraremos/ pois elas olham/ igualmente para nós/ e nos desejam/ porque estão sós.

Contemplamos o infinito com o medo de ficarmos sozinhos, deparar-se com a solidão é um desafio, e a construção sólida da solitude leva tempo a ser construída com leveza e proeza, e posteriormente ser efetuada sem grandes apreensões. Encaramos o mundo com fome de sermos desejados, e olhamos para ele com fome também (entendase fome como desejo), mas em contrapartida com o intuito de acharmos algo, algo que falta.

O amor tem instigado as mais diferentes divagações e questões que o ser humano já indagou na historia da existência humana, tendo por momentos diferentes pesos diante do processo cultural ao qual estava se adaptando, desde o surgimento das religiões que projetaram doutrinas preconceituosas que resumiram a visão de mundo a algo unitário e restrito a um tipo particular de manifestação, legitimando apenas o que é dado como amor heterossexual; também tem-se a era do romantismo na arte, onde a segunda geração da literatura se centrava em evocar o amado de forma contemplativa e idealizada, tendo em mente que a sua vida não faria sentido na ausência daquele que faz o coração acelerar mais rápido do que qualquer outro corpo celeste; ainda pode-se analisar o período entre guerras, a falta de esperança era apaziguada na companhia de outro individuo o qual partilhasse do mesmo recorte temporal e subjetivo; podemos citar a noção de amor liquido de Zygmunt Bauman, relações instantâneas, as quais não prezam pela solidez e estabilidade das vivencias partilhadas e que são usualmente aplicadas ao contexto das gerações contemporâneas, porém discordo dessa visão, pois o amor hoje é visto com uma relação de totem, já que foi dado a ele um significado e simbolismo de tamanha importância dentro da sociedade, o qual é cultuado com muita veemência e muitas vezes almejado de forma hesitante, pois a ele também foi inserido uma idéia de tabu, onde o amor é adorado, temido, odiado, por ora deve ser aproximado dos indivíduos, ora deve ser afastado e evitado, para não termos nossa psique e condições físicas comprometidas pela imersão ocasionado pelo amor. Personagens que retratam esse jogo dual de aproximação e afastamento são os protagonistas do romance clássico “O Morro dos Ventos Uivantes”, onde em um momento de cólera a protagonista Catherine Earnshaw enuncia em um discurso delirante o seu amor destemido ao seu amigo de infância e até mesmo irmão de criação, Heathcliff, — o qual não pode ficar com Catherine devido as condutas e preconceitos de sua época — em comparação a relação dela com o seu marido Edgar Linton,

[…] my great thought in living is himself. If all else perished, and HE remained, I should still continue to be; and if all else remained, and he were annihilated, the universe would turn to a mighty stranger: I should not seem a part of it. — My love of Linton is like the foliage in the woods: time will change it, I’m well aware, as winter changes the trees. My love for Heathcliff resembles the eternal rocks beneath: a source of little visible delight, but necessary. […]

Existe na psicanálise uma diferença entre luto e melancolia, onde no luto o individuo consegue superar a perda do objeto que lhe causa dor (entenda-se como objeto qualquer forma que gere afeto, podendo ser indivíduos, utensílios, momentos rememorados, etc…), já na melancolia ocorre o efeito oposto, onde o individuo não consegue se separar do objeto de afeto, pois a perda não lhe é processada com a finalidade de chegar a uma catarse individual, sendo assim o self se mantém em uma perpétua nostalgia de eventos nos quais o significante da perda ainda é alcançável e relacional. Trago essas informações para enfatizar uma pergunta, e se a humanidade já nascesse com a sensação de perda? Pois divididos ansiaríamos por algo que completasse o nosso imaginário patológico, onde uma ode de fetiche e dor é estabelecida com o intuito de ser complementado, mas no ressentimento há prazer, e esse sofrimento por ser desconhecido da nossa parte nos proporciona parte das pulsões de vida e morte, as quais direcionam o vivente para as mais diferentes experiências, por mais que as efetivando sempre sinta a sensação de vazio e angústia, às vezes consciente, às vezes inconsciente ao individuo, que tem em seu corpo amostras psicossomáticas de uma mente definhando por uma busca a qual não lhe é satisfeita, pois nem a si mesmo é demonstrado a parte que falta como um pressuposto da realização, deixando a fome crescer de forma descomunal, contaminando todas as manifestações de individualidade. Esse conto dito por Aristófanes representa uma dualidade entre o ser e o ter, pois em um mundo neoliberal, onde o ser se tornou um produto a ser capitalizado para o consumo do ter, as instancias subjetivas de um ser que sofre são recalcadas para não lhe ocuparem o tempo o qual será investido na produção em massa de um serviço monetarizado, com isso, o Eros, o amor, a sensação de ser inteiro metade é submetida a uma atuação secundaria, se não figurativa na vida pessoal, fazendo o Tanathos da vida se sobressaltar, não deixando com que achemos a nossa metade há tanto tempo afastada, possivelmente apagada, o encontro de si cada vez se torna mais distante, e a geração do trauma cada vez tem mais integrantes para fazer parte desse clube onde é maximizado e louvado o sofrer diante do trabalho exaustivo e perpétuo; um sofrimento perpétuo, que se não bastasse a ira dos deuses em dividir os seres em dois, temos um sistema o qual nos cega e impede que lutemos para encontra parte de nós, parte de si, de ser completo, mesmo quando não convém ao mundo, pois o amor já foi motivo das maiores disputas na história da humanidade, o amor se tornou um ato de desafio.

Referências:

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: O uso dos prazeres. 7. ed. Rio de Janeiro/ São Paulo: Paz&Terra, 2019. 320 p.

HILST, Hilda. Da Poesia. 1ª ed. São Paulo. Companhia das Letras, 2017. 584 p.

PLATÃO. O Banquete. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 2016. 256 p.

ROUNINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. 1 ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1998. 892 p.

BRONTË, Emily. Wuthering Heights. 9ª ed. São Paulo: Landmark, 2016. 392p.

WILDE, Oscar. The Picture of Dorian Gray. 1ª ed. Rio Grande do Sul: Editora Literatura Clássica, 2020. 520p.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. 5ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2020. 176p.

FREUD, Sigmund. INTRODUÇÃO AO NARCISISMO, ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 312p.

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Andrew Woolfe

Entusiasta das artes, escritor nas horas vagas e leitor ávido de sensações. Estudante de Psicologia pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG).